segunda-feira, 28 de junho de 2010

Um drops subjetivo

É proibido ser infeliz


Seja feliz. Sentido! Sorria. Sentido! Sorria sempre. Sentido! Sorria mesmo naqueles dias em que a dor e a tristeza te corroem sem dó nem piedade. Sorria mesmo quando um soco surdo de tristeza abafa o seu peito. Sorria quando a sua vontade é chorar e gritar- não conte para ninguém que os olhos vermelhos e inchados são da noite anterior, quando você secretamente se lamentava no travesseiro. No máximo, é uma alergia ou resfriado, mas irá passar logo menos, dirá você. Afinal, a plateia espera o seu show! Sua família, seus amigos, a sociedade em geral e, principalmente, você querem o espetáculo e cobram – ou será que pagam? – a felicidade. E quem é o protagonista? Vai um espelho aí?
Eis a ditadura da felicidade, que idilicamente faz tanto sentido que você bate continência. Está censurado daqui para frente o preceito segundo o qual o sofrimento é um meio para o desenvolvimento espiritual e emocional. Sentido! A felicidade é uma ordem. Avisem a todos que é proibido ser infeliz! Qualquer postura ou comportamento contrário a este aqui estabelecido sofrerá sanções, punições, será condenado e, não obstante, exilado. ( Mais isolados do que já estamos em meio a tantos?). Tenho dito.
No entanto, a tristeza é uma resposta normal do organismo a perdas e frustrações que sofremos na vida. Não dá para ser alegre quando perdemos uma pessoa amada, o namorado ou namorada não nos quer mais ou, ainda, quando somos despedidos do emprego. Aqueles que não se sentem tristes em casos como esses ou outros semelhantes sofrem de transtornos de humor e personalidade. Sentir-se triste é tão natural quanto sentir medo e dor e, como nesses dois casos, é vital para a nossa sobrevivência.
A tristeza é perder a batalha e é a oportunidade para refletir aonde a estratégia falhou. É tempo de avaliação e reflexão na busca de equilíbrio entre mente e corpo, porque só fortalecido individualmente é que se pode ajudar o outro a vencer a guerra. Infelizmente – cuidado com a palavra! – o homem desaprendeu a lidar com a insatisfação e com a dor. Mas, é proibido não ser feliz! É proibido ficar triste! Sentido!
Anime-se! É a festa do Prozac, ou genericamente, do cloridrato de fluoxetina. Você está mais do que convidado para essa festa à fantasia! Só não venha de bula, cartela, comprimido ou tarja-preta. Seria óbvio demais. Todos os laboratórios farmacêuticos estão convidados e não haverá briga por parcerias. Tantas pessoas os querem que dá até para dividir! E como eles aproveitam…
Se você não foi convidado para essa festa, que já não é mais tão vip, sorria! Você, único responsável pela própria felicidade na sociedade individualista que vivemos, pode se entregar a inúmeras plásticas. Não se preocupe com as cicatrizes, elas estarão bem escondidas, sem que os outros possam vê-las. Depois faça muitas compras e, de preferência, use o cartão de crédito. Além de não ver o dinheiro saindo do bolso, o que pode doer um pouco, você só começa a pagar no fim do mês enquanto exibe por aí suas novas aquisições. Agora se a sua felicidade é mesmo um carro, a primeira parcela é só no mês da Copa!
Ser feliz é uma obrigação, busca incessante e angustiante para todos, fardo maior ainda para aqueles que estão de baixo-astral. Não o bastante, existem formas padronizadas de felicidade, exibidas nos comerciais de margarina, estampadas nas capas de revistas, projetadas nas telas de cinema, protagonizadas por pares românticos na novelas, vivenciado por estrelas de Hollywood, cantadas de acordo com cada época. Fora de moda está Chico Buarque com os seu versos de Gota D’água: deixe em paz meu coração/que ele é um pote até aqui de mágoa/ e qualquer desatenção, faça não/pode ser a gota d’água”. Mereceria Caetano Veloso ser exilado novamente ao cantar “Felicidade foi se embora”? Será que ele iria junto com ela? Ser feliz é uma ordem. Ser infeliz é ser desertor de um regime perfeito, perfeito demais para ser humano. Sentido!

Você pode conferir esse e outros textos no blog Sanidades .Textos bem interessantes por lá!

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Um drops da (vergonhosa) paulicéia

Vale no abismo social

Cupom dado pelos lojistas da Oscar Freire aos moradores de rua dos Jardins gera polêmica e divide opiniões.

Em São Paulo, existem hoje cerca de 14 mil moradores de rua, segundo estimativa da Prefeitura. Para lidar com a realidade dessas pessoas, a Associação dos Lojistas da Oscar Freire, em parceria com a ong Aliança de Misericórdia, lançou o Vale Valor, cupom dado aos moradores de rua da região dos Jardins para substituir a esmola. O vale pode ser trocado por alimentação, abrigo e saúde na Casa Restaura-me, localizada no Brás.
Segundo Renata Lima Pinto, uma das responsáveis pela Aliança de Misericórdia, entidade que mantém a Casa Restaura-me, o objetivo do projeto é conscientizar as pessoas como elas podem efetivamente colaborar. “Motivadas pelo desejo de ajudar ou pela culpa, muitos dão o dinheiro porque é mais fácil. Essa atitude não é eficaz na transformação da realidade do morador de rua”, disse Pinto.
Os lojistas da Oscar Freire apóiam a proposta. “Nós achamos a iniciativa interessante, mas os pedintes a entendem como uma grande bobagem. O que eles querem mesmo é dinheiro”, disse Lia Diabi, gerente da loja Marlene. E completa, “isso não resolveu o nosso problema. Não afastou (os pedintes)”. Na loja Princess, no entanto, a atendente Priscila Carvalho, contou que um morador de rua já entrou a procura do cupom. “Vocês sabem onde eu consigo esses vales? A gerência se mostrou interessada na proposta”, afirmou ela.
Nas 110 lojas associadas, os clientes podem depositar seus trocados em cofres de papelão. Todo o dinheiro arrecadado é revertido para a Casa Restaura-me, mas a contribuição não é obrigatória. Para Guilherme Braziel, 20, “essa é uma atitude que visa tirar os moradores de rua de um bairro considerado de classe alta para um de classe baixa, visando apenas à aparência”. Entretanto há quem aprove o vale-valor. Camila Vieira, 26, diz que “é uma forma de ajudar e mostrar que existem pessoas que pensam neles”.
Pemba, morador de rua, já ganhou um Vale-Valor. “Não fui até o lugar de troca porque é longe para mim. Prefiro ficar aqui mesmo”, explicou ele.

Reflexo da desigualdade: morador de rua dorme em frente à loja de luxo na Oscar Freire.

Polêmica

A iniciativa gerou polêmica porque alguns consideram a medida como uma forma de expulsar a população carente de uma das oito ruas mais luxuosas do mundo, o que pode configurar uma prática higienista. Para Pinto, “é muito mais um olhar desviado do que de fato uma ajuda”. Segundo a socióloga Rosana Schwartz, essa pode ser uma forma de afastar as pessoas do bairro. “Esmola não resolve como dizem, mas não ver os pobres piora ainda mais”, disse.
Outro ponto questionável é quanto à localização da casa onde os moradores podem trocar o vale. A Aliança de Misericórdia informou que não possui pontos de assistência no bairro dos Jardins.
Até agora nenhum Vale-Valor foi trocado na Casa Restaura-me. “É impossível fazer essa triagem, porque eu não posso exigir da pessoa que ela segure o cupom. Eu quero que ela chegue lá e que possa ser ajudada”, revelou Pinto. A Aliança de Misericórdia desenvolve outros projetos sociais anteriores ao Vale- Valor, lançado em junho deste ano.
A questão é empurrada entre os órgãos municipais. Tanto a subprefeitura de Pinheiros quanto a da Mooca, responsáveis pelas regiões dos Jardins e do Brás disseram que a competência municipal para tratar de questões envolvidas com assistência social é da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.
A SMADS informou que “não comenta ações de instituições privadas voltadas para moradores em situação de rua”. A Secretaria informou que atende esta população em 40 Centros de Acolhida espalhados pela cidade.
Você também pode ajudar!

As instituições abaixo atendem moradores de rua na região central da cidade de São Paulo. Você pode contribuir doando alimentos, calçados, vestuários, brinquedos, produtos de higiene e/ou limpeza. Qualquer ajuda é muito bem-vinda.

Casa Restaura-me:
Atendimento: até 400 pessoas por dia. Só 50 podem dormir na casa.
Rua Monsenhor Andrade, 746 - Brás

Albergue do Gasômetro
Rua do Gasômetro, 821 – Brás
Serviços: Café da manhã, jantar, pernoite e lavagem de roupa
Capacidade: 90 pessoas

Comunidade Missionária
Rua Riachuelo, 272 B - Centro
Serviços: Banho, lavagem de roupa, atividades, biblioteca, creche.
Capacidade: 120 pessoas

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Um drops verde

MENTAlidade: Por que é tão difícil ser ecologicamente consciente?

A preocupação dos brasileiros com o meio ambiente aumentou, mas ainda cresce devagar, segundo a última pesquisa do Instituto Vox Populi, divulgada em maio de 2006. Apenas 6% dos 2000 entrevistados, todos maiores de 16 anos e moradores das cinco regiões do país, colocaram a questão ambiental como um dos principais problemas do Brasil, entre os quais figuram o desemprego, a violência e a deficiência dos serviços de saúde. Nos Estados Unidos, o pensamento com o meio ambiente ocupa a vigésima posição no ranking de preocupações dos americanos.
Afinal, por que é tão difícil ter uma mente ecologicamente consciente? Para Denise Paieiro, professora do Centro de Comunicações e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, “assumir padrões de comportamento ‘ecologicamente corretos’ implica em reduzir consideravelmente o conforto e, principalmente, o consumo. A ideia de padrão de vida - e de felicidade contemporânea - está diretamente ligada à possibilidade de consumir. Ir contra isso no cotidiano é muito difícil”.
A resistência a adoção desse tipo de comportamento também está ligada aos desejos dos indivíduos e a cultura de cada um. Para a psicóloga Cristina De Vecchi, “ o que desejar é baseado em infinitas vivências de um ser humano, boas e ruins. As pessoas sabem o que é certo, mas os costumes, os vícios estão enraizados no nosso ser, soma dos anos todos que nós vivemos de um jeito, tido como certo até então ”.
Atentos a essa tendência mundial em subestimar a relevância da questão ambiental, cientistas começaram a se dedicar a outros tipos de pesquisas, que vão além dos estudos físicos e biológicos sobre a questão climática.
Pesquisadores comportamentais da Universidade de Columbia, nos EUA, formaram um grupo chamado CRED, Center of Research on Environmental Decision, que estuda como tomamos decisões e assumimos determinados comportamentos e atitudes. A pesquisa procura entender como reagimos com resultados a longo prazo, fazendo sacrifícios agora para obter resultados positivos no futuro ou, sustentavelmente falando, preservar hoje para garantir amanhã. “No dia a dia, são poucas ações que dão conta da preservação futura do mundo - e da própria vida humana, afinal, para o homem contemporâneo a ‘vida é agora’”, aponta Paieiro.
O processo mental pelo qual se dá a tomada de uma decisão é feito por duas instâncias psíquicas distintas. Uma, conhecida como superego, trabalha analiticamente, considerando os custos e os benefícios de uma decisão. O id, instância oposta, analisa os riscos por meio dos sentimentos e emoções, cuja base é a experiência pessoal. A negociação entre esses dois sistemas é mediada pelo ego, responsável por colocar em prática a decisão tomada.
Segundo o estudo dos cientistas, nós não somos muito adeptos a resultados a longo-prazo e tendemos a subestimar promessas futuras. De acordo com Vecchi, esse comportamento não é um fato. “Caso isto ocorra, o fazemos porque não nos reconhecemos nessas promessas. Prometemos, mas não nos identificamos”, disse ela. Para o meio ambiente isso significa uma ameaça, na medida em que somos menos propensos a mudar nosso comportamento a fim de garantir um futuro ambiental mais seguro.
A preocupação com o meio ambiente é rapidamente substituída quando um problema diferente, seja pessoal ou social, aparece em nosso cotidiano. Ainda que pudéssemos manter constante a preocupação sobre a natureza, muitos encontram na compra de tecnologias sustentáveis ou no voto em candidatos verdes uma forma de se redimir diante do aquecimento global. De acordo com Paieiro, “a ideia de sustentabilidade é importante, mas mais como algo que deve ser comprado”. Voltamos, assim, da onde começamos.
As tendências psíquicas humanas não são justificativas para o descuido com o meio ambiente. Antes devem ser vistas como fatores de redobrada atenção sobre o nosso comportamento e como formas de melhorar as mensagens de instituições e órgãos sobre o meio ambiente.

sábado, 15 de agosto de 2009

Um drops interpretativo

Fotomontagem de Anton Stankowski dá vazão para a criatividade e para a crítica

Exposta na sala Fantasias Formais, a fotomontagem sem título de Anton Stankowski (1906 – 1998) pode ser interpretada como uma crítica à racionalidade burguesa em favor de uma busca pelo maravilhoso, pelo imaginário. Tais ideias, por sua vez, constituem as bases sobre as quais se desenvolveu o Surrealismo, movimento artístico surgido na França entre 1917 e 1933. Essa escola, muito influenciada pelas teorias psicanalíticas de Sigmund Freud, preconizava a importância do inconsciente, do irracional e dos sonhos na criatividade do ser humano.
O próprio conceito de fotomontagem usado pelo design alemão já traduz essa tentativa de dar vazão às percepções não visíveis. A livre associação de imagens traz à tona o imaginário e o inconsciente na obra.
O efeito de provocar sensações por meio dessas mesmas metáforas visuais, objetivo buscado por toda a exposição, pode também ser sentido na obra do pintor e fotógrafo alemão. Do corpo de uma pessoa afogada na burocracia da vida cotidiana, só restam as mãos que tentam parar os ponteiros do relógio.

A crítica da obra pode ser apreendida pelos elementos que compõem a foto. Juntos, eles determinam uma apreciação contundente sobre os valores racionais da sociedade moderna. As relações contratuais que permeiam as relações humanas contemporâneas acabam por sufocar os seus membros. Atarefada na burocracia cotidiana, a vida se resume numa corrida contra o relógio. As mesmas mãos que assinam tantos acordos tentam parar o tempo.
Em uma análise mais atenta, que complementa e fecha todo o questionamento da obra, deve-se notar o avião em queda, no pano de fundo da foto. Uma metáfora visual para a decadência humana em meio a tantas cláusulas e parágrafos. Mais notável é o tipo de avião colocado na montagem. Um caça aéreo usado no período entre guerras que, assim, redefine esse acontecimento militar com um aspecto de declínio do ser humano.
Não só na ideia, como também nos seus componentes, a fotomontagem exposta no
MAM conversa com outras obras do surrealismo. O relógio na foto de Stankowski, por exemplo, pode retomar o quadro A Persistência da Memória, de Salvador Dali, um dos principais representantes do movimento surreal.
A presença dos relógios nas duas obras mostra o aparelho como símbolo da lógica e da disciplina da sociedade moderna. Na obra de Dali, a flacidez dos objetos, dependurados e moles, mostra a quebra dessa representação simbólica. O único relógio que se mostra em perfeito estado, no canto inferior esquerdo da tela, está virado para baixo, assim como o avião na fotomontagem de Stankowski. A crítica de um vai ao encontro da crítica do outro.
Entre paralelos e livres-associações, a imaginação está sim a serviço da criatividade. Mas correlata a ela está todo o potencial crítico e questionador do ser humano.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O primeiro drops da minha vida jornalística:

FI(N)DEL CASTRO
O que muda, ou não, em Cuba após a renúncia de Fidel Castro ao poder?

Após 49 anos à frente do poder, Fidel Castro renunciou à presidência de Cuba no dia 19 de fevereiro de 2007. Muitas especulações sobre o futuro da ilha já agitavam as agendas internacionais desde julho de 2006, quando Fidel delegou temporariamente seus poderes ao irmão Raúl Castro. A República de Cuba, único Estado socialista da América atualmente, teve seu processo revolucionário iniciado com o Movimento 26 de julho, liderado por Fidel, um então dirigente universitário de 26 anos.
Capa de várias revistas e manchete de jornais, a renúncia do ex-ditador já era esperada pela população cubana e pelo mundo. “A própria imprensa tratou o fato como uma grande notícia, quando, na verdade, Raúl Castro já estava há mais de um ano e meio no poder”, disse Wagner de Melo Romão, sociólogo formado e doutorado pela USP e professor de relações internacionais na FASM, Faculdade Santa Marcelina.
Em 24 de fevereiro deste ano, numa sessão histórica que deu início a um mandato presidencial de cinco anos, Raúl Castro foi eleito pelos 614 deputados da Assembléia Nacional do Poder Popular (Parlamento) como novo comandante da ilha.
Para Romão, embora ocorra uma continuidade, haverá um toque raulista no novo governo cubano. “É claro que ele não vai poder radicalizar em reformas, porque senão ele perde as suas bases de sustentação”, acredita. Aldo Fornazieri, cientista político formado e doutorado pela USP, atual diretor da FESPSP( Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo) completa: “A questão de Cuba não se coloca em termos de personalidade, mas quais os rumos que a ilha vai adotar”.
“Não se pode esquecer que desde 1959 organiza-se o Partido Comunista no país. Há uma estrutura de poder muito enraizada na vida cubana. Não é apenas uma ditadura personalista. Existem eleições e indicações periódicas que demonstram a vitalidade dessa estrutura”, relembra Romão. Hoje, 15 a 20 por cento da população cubana é filiada ao Partido Comunista. O processo eleitoral da ilha é, ironicamente, muito parecido com o democrático europeu: ocorre uma eleição para o Parlamento, na qual qualquer pessoa do povo pode votar e ser votada. Os eleitos elegem o Presidente, o Vice- Presidente e o Secretário-geral cubanos.
Apesar de afastado do poder, Fidel continuará a influenciar nas decisões cubanas, segundo os entrevistados. Eles reconhecem a importância política e a figura histórica de Fidel Castro como fatores relevantes para a influência do ex-ditador nas questões de Cuba.
Como já indicado pelos discursos de Raúl, haverá mudanças na vida da ilha. Tanto Fornazieri quanto Romão concordaram ser mais provável que ocorra uma liberalização econômica do que uma abertura política. Segundo o diretor acadêmico, a estrutura do governo cubano continuará subordinada ao Partido Comunista, mesmo que ocorram algumas modificações. Para Marcos Allan Ferreira, professor de Relações Internacionais na ESPM (Escola Superior de Marketing e Propaganda) e doutorando em Ciência Políticas na Unicamp, as mudanças deverão ser sutis, especialmente numa aproximação maior com a Venezuela para a manutenção do regime na ilha.
“Mas não é porque Fidel renunciou que começarão as mudanças. Elas já ocorrem desde meados dos anos 80, devido a toda uma conjuntura internacional”, atesta Romão. A derrocada socialista no início da década de 1990 extinguiu a ajuda financeira da ex- União Soviética à ilha. Cuba, que já sofria com o embargo econômico americano desde 1961, mergulhou em uma grave crise. Basicamente agrícola e detentora de um reduzido porte industrial, Cuba tenta atrair o capital externo por meio do turismo.
Influenciado pela corrida presidencial nos Estados Unidos, muito se discutiu se os candidatos à Casa Branca não reveriam o embargo econômico imposto à Cuba. “O fim do bloqueio econômico americano ainda demorará para acontecer”, disse Romão. Segundo ele, as mudanças do quadro econômico internacional dependem mais das ações de Cuba para que haja uma resposta positiva dos EUA. Já Fornazieri acha que com novos governos em Cuba e nos EUA há a possibilidade de negociações.
“Dependerá muito do jogo de forças no Congresso e Senado americano, e muito menos de quem será presidente”, explica Ferreira. Segundo ele, a pressão dos grupos anti-castristas ainda é forte, mas é menor do que os interesses de grupos que desejam negociar produtos com Cuba, como os fazendeiros do meio-oeste dos EUA
Raúl Castro pediu ajuda ao presidente Lula nessa transição do governo cubano. Apesar de defender uma postura de neutralidade em relação ao processo político da ilha, o Brasil já investiu cerca de um bilhão de dólares em Cuba. Parte dos recursos foi investido pela Petrobrás para a exploração de petróleo no Golfo do México. “Além da exploração das reservas petroleiras, é importante do ponto de vista geoestratégico brasileiro a presença da Petrobrás na região. Na medida em que Cuba se insere na comunidade latino-americana, os dois países devem estabelecer parcerias econômicas e comerciais que os ajudem mutuamente”, declarou Fornazieri.
A abertura de Cuba ao mundo seria o fim de uma visão romântica do socialismo? Cuba é a primeira experiência revolucionária socialista da América Latina e influenciou os demais movimentos esquerdistas do continente. “É difícil sustentar o socialismo cubano. Se por um lado o regime efetivou a igualdade social, reduziu as taxas de analfabetismo e mortalidade, por outro, é complicado pensar num sistema de partido único na realidade que vivemos. É conflituoso aliar a igualdade social com a falta de liberdade artística e expressiva”, afirmou Romão.
Cuba ocupa o 51º posição no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) – a Noruega lidera a lista e o Brasil está na 72º posição. A taxa de desemprego cubano é de 1,7% e o índice de analfabetismo é de 0,2%. Em compensação, são apenas 240 mil internautas para uma população de aproximadamente 11 milhões de pessoas.
Fidel, no julgamento sobre a invasão ao quartel de Moncada em 1953, proferiu uma de suas mais conhecidas frases: “A história me absolverá”. Para Romão, Cuba representa um sonho, a possibilidade de se fazer uma sociedade distinta do modelo capitalista. “Pelo fato da tentativa, sim, a história absolverá Fidel. Sob o ponto de vista político, Cuba é herança de igualdade e é um grande experimento que a torna especial perante o mundo. Se formos considerar valores econômicos, provavelmente não”, declarou o sociólogo.