quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O primeiro drops da minha vida jornalística:

FI(N)DEL CASTRO
O que muda, ou não, em Cuba após a renúncia de Fidel Castro ao poder?

Após 49 anos à frente do poder, Fidel Castro renunciou à presidência de Cuba no dia 19 de fevereiro de 2007. Muitas especulações sobre o futuro da ilha já agitavam as agendas internacionais desde julho de 2006, quando Fidel delegou temporariamente seus poderes ao irmão Raúl Castro. A República de Cuba, único Estado socialista da América atualmente, teve seu processo revolucionário iniciado com o Movimento 26 de julho, liderado por Fidel, um então dirigente universitário de 26 anos.
Capa de várias revistas e manchete de jornais, a renúncia do ex-ditador já era esperada pela população cubana e pelo mundo. “A própria imprensa tratou o fato como uma grande notícia, quando, na verdade, Raúl Castro já estava há mais de um ano e meio no poder”, disse Wagner de Melo Romão, sociólogo formado e doutorado pela USP e professor de relações internacionais na FASM, Faculdade Santa Marcelina.
Em 24 de fevereiro deste ano, numa sessão histórica que deu início a um mandato presidencial de cinco anos, Raúl Castro foi eleito pelos 614 deputados da Assembléia Nacional do Poder Popular (Parlamento) como novo comandante da ilha.
Para Romão, embora ocorra uma continuidade, haverá um toque raulista no novo governo cubano. “É claro que ele não vai poder radicalizar em reformas, porque senão ele perde as suas bases de sustentação”, acredita. Aldo Fornazieri, cientista político formado e doutorado pela USP, atual diretor da FESPSP( Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo) completa: “A questão de Cuba não se coloca em termos de personalidade, mas quais os rumos que a ilha vai adotar”.
“Não se pode esquecer que desde 1959 organiza-se o Partido Comunista no país. Há uma estrutura de poder muito enraizada na vida cubana. Não é apenas uma ditadura personalista. Existem eleições e indicações periódicas que demonstram a vitalidade dessa estrutura”, relembra Romão. Hoje, 15 a 20 por cento da população cubana é filiada ao Partido Comunista. O processo eleitoral da ilha é, ironicamente, muito parecido com o democrático europeu: ocorre uma eleição para o Parlamento, na qual qualquer pessoa do povo pode votar e ser votada. Os eleitos elegem o Presidente, o Vice- Presidente e o Secretário-geral cubanos.
Apesar de afastado do poder, Fidel continuará a influenciar nas decisões cubanas, segundo os entrevistados. Eles reconhecem a importância política e a figura histórica de Fidel Castro como fatores relevantes para a influência do ex-ditador nas questões de Cuba.
Como já indicado pelos discursos de Raúl, haverá mudanças na vida da ilha. Tanto Fornazieri quanto Romão concordaram ser mais provável que ocorra uma liberalização econômica do que uma abertura política. Segundo o diretor acadêmico, a estrutura do governo cubano continuará subordinada ao Partido Comunista, mesmo que ocorram algumas modificações. Para Marcos Allan Ferreira, professor de Relações Internacionais na ESPM (Escola Superior de Marketing e Propaganda) e doutorando em Ciência Políticas na Unicamp, as mudanças deverão ser sutis, especialmente numa aproximação maior com a Venezuela para a manutenção do regime na ilha.
“Mas não é porque Fidel renunciou que começarão as mudanças. Elas já ocorrem desde meados dos anos 80, devido a toda uma conjuntura internacional”, atesta Romão. A derrocada socialista no início da década de 1990 extinguiu a ajuda financeira da ex- União Soviética à ilha. Cuba, que já sofria com o embargo econômico americano desde 1961, mergulhou em uma grave crise. Basicamente agrícola e detentora de um reduzido porte industrial, Cuba tenta atrair o capital externo por meio do turismo.
Influenciado pela corrida presidencial nos Estados Unidos, muito se discutiu se os candidatos à Casa Branca não reveriam o embargo econômico imposto à Cuba. “O fim do bloqueio econômico americano ainda demorará para acontecer”, disse Romão. Segundo ele, as mudanças do quadro econômico internacional dependem mais das ações de Cuba para que haja uma resposta positiva dos EUA. Já Fornazieri acha que com novos governos em Cuba e nos EUA há a possibilidade de negociações.
“Dependerá muito do jogo de forças no Congresso e Senado americano, e muito menos de quem será presidente”, explica Ferreira. Segundo ele, a pressão dos grupos anti-castristas ainda é forte, mas é menor do que os interesses de grupos que desejam negociar produtos com Cuba, como os fazendeiros do meio-oeste dos EUA
Raúl Castro pediu ajuda ao presidente Lula nessa transição do governo cubano. Apesar de defender uma postura de neutralidade em relação ao processo político da ilha, o Brasil já investiu cerca de um bilhão de dólares em Cuba. Parte dos recursos foi investido pela Petrobrás para a exploração de petróleo no Golfo do México. “Além da exploração das reservas petroleiras, é importante do ponto de vista geoestratégico brasileiro a presença da Petrobrás na região. Na medida em que Cuba se insere na comunidade latino-americana, os dois países devem estabelecer parcerias econômicas e comerciais que os ajudem mutuamente”, declarou Fornazieri.
A abertura de Cuba ao mundo seria o fim de uma visão romântica do socialismo? Cuba é a primeira experiência revolucionária socialista da América Latina e influenciou os demais movimentos esquerdistas do continente. “É difícil sustentar o socialismo cubano. Se por um lado o regime efetivou a igualdade social, reduziu as taxas de analfabetismo e mortalidade, por outro, é complicado pensar num sistema de partido único na realidade que vivemos. É conflituoso aliar a igualdade social com a falta de liberdade artística e expressiva”, afirmou Romão.
Cuba ocupa o 51º posição no IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) – a Noruega lidera a lista e o Brasil está na 72º posição. A taxa de desemprego cubano é de 1,7% e o índice de analfabetismo é de 0,2%. Em compensação, são apenas 240 mil internautas para uma população de aproximadamente 11 milhões de pessoas.
Fidel, no julgamento sobre a invasão ao quartel de Moncada em 1953, proferiu uma de suas mais conhecidas frases: “A história me absolverá”. Para Romão, Cuba representa um sonho, a possibilidade de se fazer uma sociedade distinta do modelo capitalista. “Pelo fato da tentativa, sim, a história absolverá Fidel. Sob o ponto de vista político, Cuba é herança de igualdade e é um grande experimento que a torna especial perante o mundo. Se formos considerar valores econômicos, provavelmente não”, declarou o sociólogo.

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